A festa de Iemanjá no Rio de Janeiro remete aos anos 1940, quando em 31 de dezembro, os devotos iam prestar homenagens nas praias. O culto ao orixá feminino, considerado uma divindade protetora para os adeptos do Candomblé e da Umbanda, ajudou a moldar o réveillon. Com a espetacularização da virada do ano nas praias, o dia 2 de fevereiro foi escolhido como uma nova data para cultuar a divindade das águas nas areias cariocas, marco que já era comum em outras localidades.

Esses e outros assuntos são tratados no livro O Rio de Iemanjá: um olhar sobre a cidade e a devoção, que resultou da pesquisa de mais de dez anos do Laboratório Interdisciplinar das Religiões e Movimentos Migratórios (Larm) da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). O estudo foi coordenado pela professora, Joana Bahia, do Departamento de Antropologia do Instituto de Ciências Sociais da Uerj, que também assina a autoria da publicação.

A pesquisa buscou entender como os grupos afro-religiosos se deslocavam na cidade do Rio de Janeiro para fazer oferendas à Iemanjá e como a devoção ao orixá se popularizou a partir do gesto de colocar flores na água do mar. Os pesquisadores redesenharam cartografias da cidade se referenciando na circulação dos grupos afro-religiosos, assim como nas mudanças estruturais e sociais da cidade ao longo das décadas que foram gerando formas distintas de ocupação do espaço público.

Uma das curiosidades levantadas pela pesquisa é que as flores não eram oferecidas à divindade apenas em Copacabana, local mais conhecido da prática, mas na cidade inteira e também nas barcas de Niterói. A partir de 1950, até mesmo a elite carioca passa a adotar o ritual de entregar essas oferendas à Iemanjá. A autora do livro acredita que o Rio de Janeiro teve um papel importante para que a festa e o gesto ganhasse visibilidade e se tornasse uma prática nacional. “As pessoas transformam as praias em altares e diferentes espaços da cidade do Rio de Janeiro vão cultuar Iemanjá, seja na zona sul ou na zona norte” explica Joana Bahia. Por isso, “é um trabalho sobre religião e espaço público”, completa.

A pesquisa, que começou em 2013, contou ao todo com a participação de dez pesquisadores da Uerj e levantou informações a partir de publicações na imprensa, arquivos dos terreiros e também pela observação de cultos religiosos. Eventos como a Festa de Sepetiba, a festa do Afoxé Filhos de Gandhi e os rituais nas praias de Copacabana, Urca e Ilha do Governador foram observados e analisados para os estudos.

Outros tópicos como as simbologias africanas, as disputas entre os diferentes movimentos afro-religiosos e até mesmo episódios de intolerância religiosa perpassam a pesquisa. O livro, resultado da investigação, contou com o apoio da Fundação Carlos Chagas Filho de Amparo à Pesquisa do Estado do Rio de Janeiro (Faperj) e foi editado pela Editora Telha.


Fonte para entrevista:

Joana Bahia: Professora titular de Sociologia e Antropologia do Instituto de Ciências Sociais da Universidade do Estado do Rio de Janeiro (Uerj). É coordenadora do Laboratório interdisciplinar das religiões e movimentos migratórios (Larm) e autora do livro Rio de Iemanjá: um olhar sobre a cidade e a devoção.